POR UMA POLÍTICA INTEGRADA DE RESILIÊNCIA A DESASTRES AMBIENTAIS

Gabriel Kogan*

Março de 2023


Em um momento de reconstrução de políticas públicas federais, o Brasil se vê assolado por desastres ambientais e sociais incomensuráveis como as recentes chuvas no Litoral Norte de São Paulo. Isso deverá acontecer, infelizmente, de forma cada vez mais frequente. Mudanças climáticas tornaram impossível prever coeficientes de segurança para os estabelecimentos humanos. Se nem sequer os patamares técnicos anteriores já não eram seguidos, essa nova realidade global agora exige uma abordagem inteiramente nova do poder público, em que os patamares climáticos anteriores serão rapidamente ultrapassados.

Países da Europa, América do Norte e Oceania discutem hoje a possibilidade, por exemplo, de se “conviver com as águas e enchentes”, em sistemas de governança que privilegiam políticas de “resiliência hídrica”. Com águas poluídas e populações instaladas em áreas de risco, a diferente realidade brasileira demanda adaptações às abordagens estrangeiras.

Baseado na ideia de “resiliência”, proponho oito linhas gerais de políticas públicas. Não há dúvida que se trata de soluções caras, mas mais caro é sempre a destruição de edifícios e infraestrutura, e incalculável é o valor das vidas humanas perdidas. À exemplo de políticas internacionais históricas, tais como o Plano Roosevelt e o Plano Obama, o investimento em infraestrutura nacional pode ser também uma saída para a crise econômica.

1- Mapeamento por sensoriamento remoto de áreas de risco no território nacional. É necessário se investir e se consolidar mapas já existentes de áreas que potencialmente podem ser atingidas por deslizamentos, inundações, rompimento de barragens, etc. Esses mapas geram conhecimento de onde se atuar com prioridade. Tal base precisa ser integrada nacionalmente, abertamente disponível para pesquisadores e órgãos públicos e atualizada mensalmente. Atualmente, dados de satélites, se bem trabalhados, podem indicar os casos de maior urgência no país, funcionando como poderosa ferramenta de conhecimento para intervenções coordenadas.

2- Política Nacional de Construção de Habitação Pública. Desenvolvimento de uma nova política pública de construção de habitação social com foco em áreas de risco e que não seja baseada exclusivamente em indicações vagas de planos diretores e de zoneamento, mas que de fato intervenha fisicamente nas áreas, com desenho urbano e desenho de edifícios. Não se trata também de um sistema indireto de financiamento e empréstimo. Para tal, sugere-se a construção de centros públicos regionais de produção de componentes industrializados e pré-fabricados de construção (fábricas públicas, já com precedentes no Brasil) a serem usados em novos edifícios para as populações hoje em áreas de risco. O Poder Público coordenaria a construção a partir de projetos arquitetônicos específicos para cada área e, depois, disponibilizaria as unidades por meio de imobiliárias públicas, em sistema análogo ao praticado há décadas na França. Os novos edifícios devem prever resiliência a desastres, estabelecendo cotas elevadas de inundação (mantidas vazias), fundações robustas e possibilidade de rápida drenagem de água e detritos. Os projetos arquitetônicos e urbanos coordenam as intervenções e são produzidos a partir de concursos públicos, cartas convites ou escritórios públicos de projeto (como existente no Município de São Paulo).

3- Política Nacional de Construção de Habitação Temporária. Enquanto as obras de novas habitações se desenvolvem, faz-se necessário a relocação da população em instalações temporárias. Essas populações precisam ser alojadas em regiões próximas, com transporte público para suas localidades de trabalho. Assim, sugere-se a criação de unidades habitacionais temporárias de baixo custo ou alojamento em imóveis de grandes devedores de impostos.

4- Política Nacional de Construção de Equipamentos Públicos. Problemas anteriores de políticas públicas de habitação não podem se repetir: a questão não é apenas construir casas, nem apenas resolver problemas prementes de áreas de risco, mas construir cidades habitáveis e dignas para as pessoas. Assim as unidades habitacionais precisam ter, em áreas próximas (preferencialmente acessíveis em uma distância aceitável para o pedestre), equipamentos públicos essenciais, tais como escolas e postos de saúde. Em escala regional, deve-se haver centros de gerenciamento de resíduos sólidos, postos de bombeiros, postos policiais etc.

5- Política Nacional de Infraestrutura Pública. Além de casas e equipamentos, é necessário que os bairros e cidades sejam providos de infraestrutura adequada com estações locais de tratamento de esgoto, rede de microdrenagem hídrica, rede de córregos e linhas de macrodrenagem. Para tanto, sugere-se que sejam utilizados componente pré-fabricados que possibilitem, por exemplo, economia de escala em redes de saneamento básico e de intervenções em leitos de rios. Existem no Brasil também exemplos precedentes do uso de fábricas públicas para construção de tais infraestruturas. Deve-se também refazer e fortalecer taludes próximos a estradas e habitações. É importante notar que todas essas políticas não podem ser apenas diretrizes, mas sim um plano de investimento territorial para constituir uma rede de obras e de transformações diretas sobre o território.

6- Sistema de alerta em caso de iminência de desastres climáticos. Os novos sistemas meteorológicos em implantação precisam estar integrados com o sistema de comunicação individual. Em outras palavras, com a aproximação de chuvas fortes ou qualquer outro problema, a população precisa receber mensagens compulsórias nos celulares. Além disso, estradas e vias devem ser fechadas pelas Polícias Rodoviárias, a fim de evitar o deslocamento para regiões potencialmente afetadas.

7- Fortalecimento de Brigadas de Defesa Civil. As brigadas civis, sempre prontas em locais estratégicos do território nacional, precisam ser fortalecidas. Isso significa ter fácil acesso a maquinário pesado tais como retroescavadeiras para desobstrução de estradas e remoção de terra ou entulho em busca de feridos. Além disso, sugere-se a formação de grupos de moradores locais para atendimento primeiro emergencial. Em outras palavras, em caso de desastre, a própria comunidade pode ter treinamento para reagir inicialmente, antes mesmo da chegada de brigadas especiais, com primeiros socorros e informações básicas. Também é necessário criar e sinalizar pontos seguros. Por exemplo, em caso de chuvas excessivas, as comunidades podem ser evacuadas de forma a precaver perdas de vidas para pontos específicos, com infraestrutura e segurança técnica.

8- Reflorestamento de áreas sensíveis. A recomposição da vegetação local a partir de uma política pública integrada gera impactos positivos incomensuráveis a médio e longo prazo. Com o reflorestamento em áreas de encosta por exemplo, as próprias raízes das árvores contribuem para estruturação do solo. Além disso, a vegetação retarda a velocidade das águas (mitigando enxurradas) e aumenta a permeabilidade do solo. Por fim, a recomposição de florestas em escala regional pode inclusive amenizar mudanças climáticas.

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*Gabriel Kogan, arquiteto e urbanista. Professor na Escola da Cidade e crítico visitante na Politécnico de Milão (Itália). Foi professor convidado na Tokyo Institute of Technology (Japão) em 2021 e guest scholar na Kyoto University (Japão) em 2022. Apresentou mestrado no UNESCO-IHE em Delft (Países Baixos) em Gerenciamento Hídrico (Water Management) e atualmente desenvolve doutorado na FAU-USP.