TEXTO BOB WOLFENSON
FOTOS HILTON RAW

THE UGLY CITY SHOW


O truque de Hilton Raw é nos fazer crer que ele não é nada, se finge de morto, escamoteia-se no humor, nas tiradas autodepreciativas e no culto à melancolia. E debaixo deste manto de “tristeza”, sem dar pistas e nem deixar rastros, começou a postar cenas, paradoxalmente estranhas e belas, em sua página do Instagram (@hiltonraw).

As suas fotografais me surpreenderam desde a primeira vez que as vi. Para quem não sabe, Hilton é músico, e eu desconhecia seu talento com a luz composição, texturas e geometria manifestados naquelas imagens. No entanto, para quem o conhece, elas, assim como estas aqui publicadas, são a mais perfeita tradução de sua eterna prestidigitação.

A dureza das noites, os elementos isolados, os vapores luzidios, e a atmosfera sinistra de sua obra nos remetem a observar a solidão anônima de seus sujeitos/objetos. Como espectadores não passamos incólumes, somos arrebatados por suas composições fotográficas, as quais parecem obedecer a um rito melódico, abstrações (lembre-se, ele é músico), que ao se inteirarem com a realidade se concretizam em um retrato contundente dela, sem fazer concessões a padrões de beleza e aceitação.

E ao contrário do que possa parecer, suas imagens não buscam a compaixão de quem as vê, e sim, afirmam os elementos nelas encontrados: o gênero humano às voltas com suas trevas, representadas através de visões ultracontrastadas, onde não há lugar para os cinzas ou outras nuances contemporizadoras.

Numa primeira olhada seu trabalho nos oferece os aspectos trágicos da vida contemporânea, como sugere a série “the ugly city show”, uma boutade contra a alegria reinante reiterada continuamente nas páginas de milhares nas mídias sociais. Como ele mesmo gosta de dizer: “há uma certa psicopatia da felicidade vigente nos dias atuais”.

No entanto, numa olhada mais detalhada observamos que, ele não aponta suas armas nem a favor nem contra os que exaltam seus próprios feitos via internet. E malandramente, usufruindo desta “nova” comunicação, afirmando a cada click que a sua existência não contempla meios tons, nem é cor-de-rosa e sim, preto no branco, vai sem muito alarde num caminho oposto a estes mais celebrativos, construindo seu inventário das sombras emersos das ambiguidades da vida.

Hilton é um falso triste que com ironia e sagacidade evoca as aflições da alma para nos oferecer a beleza e o distúrbio ao mesmo tempo consubstanciadas em seu conjunto de imagens articuladas entre si e apresentados aqui.


Bob Wolfenson,

fotógrafo. Seu trabalho está presente em coleções como Pirelli-Masp, MAM-SP, Itaú Cultural, entre outras.


Hilton Raw,

produtor musical; estudou arquitetura na FAU/USP.


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