POR BRUNA CANEPA

CASA TEMPO


Três tempos em um tempo presente


A elaboração de uma casa ideal pode ser um trabalho para uma vida toda mas, paradoxalmente, esse ideal é modificado diversas vezes ao longo deste mesmo processo. Como uma casa que está sempre em obras ou como habitar diferentes casas ao longo de uma vida, em uma tentativa de saciar o insaciável.

A casa Tempo é construída em faixas consecutivas, acompanhando cada década de sua existência adulta. Cada faixa previamente habitada é abandonada conforme o passar de sua respectiva década. Faixas vão aos poucos constituindo uma ruína, salientando que o passado se torna inabitável e distante.

Nenhuma faixa antiga já habitada pode ser visitada novamente e apenas uma nova secção pode ser construída adiante. A casa é simultaneamente uma casa-ruína, uma casa construída e uma casa em construção. Três tempos em um tempo presente. Com uma linearidade em velocidade constante, sem volta e em direção ao futuro (que não é infinito). Uma miniatura de uma linha do tempo sobre a história do universo.

Aqui, a casa é o reflexo espacial dos aspectos vigentes de seu habitante. Uma experiência rígida e intensa; ao projetá-la, a missão é o espaço corresponder às próprias complexidades e possibilidades do momento. A vida dita o aspecto da casa, e não o contrário. Estar nela significa enfrentar as próprias limitações e alcances de maneira física e construída, refletidos no espaço. No entanto, os desejos não são todos construídos em forma de casa – alguns permanecem impalpáveis, potencializando os devaneios.

A primeira casa corresponde à década dos seus 20 anos e ainda não há nada construído. O volume é largo e pouco preenchido, permitindo grande liberdade de ações em seus metros quadrados de ar sobrando. Ações que a velocidade do corpo alcança e a euforia jovial consegue ocupar. Um cubo quase vazio, um homem só.

A segunda faixa, dos seus 30 anos, é uma fatia bastante reduzida. Viagens constantes são intercaladas com curtas permanências na casa, que nesta etapa vira uma espécie de ponto sazonal para pequenas pausas entre aventuras. É a idade mais nômade.

A terceira faixa, dos seus 40 anos, é uma faixa mais labiríntica. As ações do morador são inibidas nesta fase. Morar junto pode significar ceder à própria expressividade e, consequentemente, à da casa também. Seu aspecto não é tão contundente, e ela se torna mais confusa e subdividida. O espaço agora é compartilhado com sua nova família. Movimentos e desejos de 3 pessoas juntas e diferentes, colidindo. Resultando em espaços de múltiplas funções e outros bem específicos. Há pouca liberdade, mas há mais calor.

A próxima faixa, dos 50 anos, é a faixa mais iluminada de todas, apesar de mais fria. O morador está novamente sozinho e a casa volta a se expressar de maneira mais clara. Há mais firmeza em seus espaços, mais certeza em suas subdivisões. Existe uma monotonia geométrica, mas com certeiros espaços de quebra. É mais calma mas não menos instigante.

A faixa dos 60 é um pequeno lote campestre. Um terreno recortado como uma obra de land art. Dentro da área, uma pequena casa de campo se camufla atrás da espessa camada de vegetação. A vida é praticamente centrada neste pequeno lote, como um cenário melancólico autossuficiente.

Nos 70, a casa é bem colada ao chão e t­­odas as atividades são térreas. A aparência externa é a de uma rocha primitiva e monolítica. Por dentro, uma superfície menos brusca, mais branda e de luz quente. Um pequeno esconderijo para fermentar boas ideias, com pequenas aberturas para o lado de fora. Debaixo de uma delas, a mesa de desenho. E a nova aventura é captar a essência da próxima década.



Bruna Canepa,

arquiteta formada pela Escola da Cidade (São Paulo) e artista gráfica.