POR JULIA DE SOUZA

COMEÇO


Dos muitos caminhos possíveis já se sabe. Repiso. O ter que fazer escolhas a cada curva – e atinar com a curva é coisa fugidia, engrenagem improvável – traz um quê de querer andar vendado.

Uma escolha é uma dentada. É tiro, caça ao gavião que voa rente mas escapa escapa.

Todo começo será, então, roleta-russa. Desafio é sair impune do senão e do portanto, do já que. No começo tem essa vontade – lusco-fusco – de movimento ou até de fuga, despistar alguma sombra. (Nota: desde que me habituei a residir meu próprio corpo sofro de profundo desinteresse por mapas. É com essa mesma inaptidão para o pensamento cartográfico que me movo: um muro é de fato um obstáculo. Assim tornei-me colecionador de paredes brancas.)

Apalpo então paredes lisas – todo começo, repito, requer tal apuro tátil do substrato – para fincar meu primeiro prego. (dói um pouco). Certifico-me, ainda com o peso das mãos, de que apresenta resistência: sim, parece fixo.

Os outros pregos já se sabem ou são sempre um vir a ser?

Eco:

– toda palavra é uma metáfora abatida.

Ao convite do espaço cru respondo apenas: haja. Elas são quatro, plácidas lisas frias simétricas heroicas verticais. Adulterá-las é tarefa de alto risco. Ouvido colado na concha: até ondas se contorcem mais quando há escuta.

Todo começo (suspiro) é uma pequena morte.

 

(Covil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.)


Julia de Souza,

formada em letras pela USP, onde faz mestrado em literatura brasileira. Atua no mercado editorial e é poeta.