FOTOS LEONARDO WEN

BRASÍLIA REAL

BRASÍLIA IMAGINADA

E vida segue na SQS108 no Planalto Central…


Juntamente com o ensaio de Rem Koolhaas sobre Brasília [ver aqui], a Revista Centro publica o ensaio fotográfico de Leonardo Wen feito no interior dos apartamentos da primeira superquadra da capital do Distrito Federal (SQS 108, inaugurada em 1960).

Esse retrato da pós-ocupação do espaço privado — uma pequena invasão de privacidades sem a maquiagem da produção das fotos de arquitetura — revela contradições da cidade moderna mais de cinco décadas após sua inauguração: seria essa a imagem desenhada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer para o interior de seus edifícios? Seria esse o destino — quase inevitável — para suas linhas?

As fotos aqui reproduzidas integram o fotolivro Apto – a moradia moderna de Brasília, de Wen. Publicado pela Tempo d’Imagem em 2011 (XI prêmio Marc Ferrez de Fotografia, da FUNARTE), traz também imagens de arquivo da época da construção da cidade, depoimentos de moradores e plantas arquitetônicas originais



“Brasília é construída na linha do horizonte. Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília. Se eu dissesse que Brasília é bonita veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia veem nisso uma acusação. Mas a minha insônia não é bonita nem feia, minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. É ponto e vírgula. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil: eles ergueram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão. É um novo mistério. — Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer. Ai que medo. — Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, dois homens solitários. — Olho Brasília como olho Roma: Brasília começou com uma simplificação final de ruínas. A hera ainda não cresceu.”

 

Clarice Lispector, “Brasília”. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1970.



“[…] Frequentemente representada em transformação, a cidade da Idade Média não tem a nossa preocupação para com a conservação; ela demonstra um belo otimismo. O orgulho urbano é feito da imbricação entre a cidade real e cidade imaginada, sonhada por seus habitantes e por aqueles que a trazem à luz, detentores de poder e artistas”.

Jacques Le Goff, Por amor às cidades. São Paulo: Fundação Editora Unesp, 1998; pág. 119.

 


LEONARDO WEN,

fotógrafo, reside e trabalha no Rio de Janeiro. http://www.leonardowen.com