ENTREVISTA GABRIEL MARCHI
FOTOS CIRO MIGUEL

DAVID HARVEY ENTREVISTA


Capitalismo em estado de crise


Como as crises econômicas são necessárias para a manutenção do sistema capitalista?

David Harvey O capitalismo é instável e sempre atinge obstáculos para crescer. Em certos momentos históricos, ultrapassar obstáculos significa criar outros, a serem enfrentados depois. Mesmo com as crises, o “clube dos bilionários” continua prosperando e as classes mais altas saíram da crise de 2008 melhor do que entraram. Elas usam sua influência política para esmagar a classe trabalhadora e subsidiar os ricos.



Até onde isso pode ir?

Há limites no quanto você pode espremer a população até ela explodir. Crises são também momentos de reconfiguração, até mesmo filosófica, para o capitalismo, como, por exemplo, o surgimento do neoliberalismo nos anos 70. Mas, hoje, não há nada de novo surgindo. O problema é: em todas as partes do mundo, não há poderes organizados para canalizar forças. Não há novas ideias, não há novas políticas macroeconômicas, não há pensamentos radicais e inéditos. Criar novas formas radicais de pensamento é a nossa obrigação.


Como você avalia a atual situação econômica brasileira?

As consequências das políticas de austeridade são preocupantes. Quando o FMI impôs medidas econômicas disciplinares para o México, houve uma queda de 25% no padrão de vida da população. A mesma coisa aconteceu na Turquia. No Brasil, a queda no padrão de vida será proporcional à severidade das medidas de austeridade. O meu palpite é que esse momento difícil irá se prolongar por algum tempo, especialmente porque a prosperidade vivida no Brasil na última década tem relação com o crescimento econômico da China. Políticas de austeridade têm consequências muito sérias, que podem levar a uma profunda inquietude política e social.


O PT tem perdido o apoio incondicional de dois aliados históricos, como o MTST e a CUT. A que você atribuiria essa ruptura?

Em todo o mundo, partidos políticos ao chegar ao poder se encontram aprisionados. Pouco a pouco, eles se afastam das bandeiras que os elegeram. O afastamento em relação a sindicatos, por exemplo, não é exclusivo do Brasil. Isso aconteceu em muitos países da Europa Oriental, além da Inglaterra e da Suécia. Estes fatores contribuem para a falta de confiança no processo político. Um exemplo concreto é o Syriza na Grécia (Coligação da Esquerda Radical), eleito em 2015 para lutar contra medidas de austeridade. Agora, a União Europeia os força a tomar estas mesmas medidas. É um conflito interessante, mas que pode dar força a partidos fascistas.


No seu livro Paris, a capital da modernidade você posiciona a reorganização da cidade, realizada na Paris do século 19, como uma ferramenta contenção e repressão das classes trabalhadoras. Os megaprojetos feitos, por exemplo, para Olimpíadas e Copa do Mundo, são a mesma coisa?

Existem aí algumas semelhanças bastante genéricas, mas não iria tão longe. Não se trata tanto dos estádios; é sobre todas as outras políticas perenes. Geralmente, fazemos megaprojetos como construímos prédios icônicos. Um museu de Frank Gehry está monumentalizando parte da cidade. Essas outras coisas podem ser mais opressoras do que os próprios estádios.


Como você posicionaria seu pensamento teórico e suas últimas obras?

Sou um urbanista, então, sempre estive interessado em tentar teorizar sobre as cidades e os conflitos sociais que ocorrem nelas – desde os anos 70, uso Marx e uma perspectiva teórica como ponto de partida. Comecei a colocar esta ideia em prática quando visitei Paris na década de 70, naquele período histórico. Por meio da pesquisa eu pude compreender a relação entre teoria e história. O diálogo entre esses dois elementos é fundamental.



David Harvey,

geógrafo britânico marxista; professor da City University of New York e trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana.


Gabriel Marchi,

jornalista e escreve sobre terrorismo, política internacional e Oriente Médio; colaborador de veículos como Valor Econômico e VICE News.


Ciro Miguel,

arquiteto formado pela FAU/USP, com pós-graduação pela Columbia University/GSAPP; professor assistente na ETH de Zurique, fundou o estúdio Miniatura, com Bruna Canepa.