POR ANNA KATS
TRADUÇÃO GABRIEL KOGAN
FOTOS CHRISTOPHER HERWIG

SOCIALISMO EM TODAS AS ESCALAS

Os pontos de ônibus soviéticos documentados no livro do fotógrafo Christopher Herwig


A União Soviética ocupou um território espraiado, vasto – que podia ser, principalmente, atravessado por ônibus. Num país onde os automóveis privados eram escassos, muitos cidadãos, especialmente a maioria daqueles que viviam fora dos centros cosmopolitanos, dependiam de uma extensa rede de linhas desse tipo de transporte rodoviário para ir de um lugar ao outro. Estações de ônibus, de fato, se tornaram marcas de lugares longínquos demais para serem atingidos por trem ou por qualquer outra infraestrutura de transporte público.

Um livro recente de Christopher Herwig mostra que eram raros os pontos de ônibus soviéticos convencionais: uma das poucas características recorrentes dentro do impressionantemente inventivo e variado design dos pontos era o letreiro azul anunciando o nome, em particular, daquele lugar. Vilarejos como Saratak, Romanovca ou Kupiskis podem ser de difícil localização no mapa, mas procurando por eles, Herwig insiste que, mesmo esses cafundós provincianos são terreno fértil para uma arquitetura excepcional.

Herwig entende o significa de um nome: Pontos de Ônibus Soviéticos (Soviet Bus Stop), o título maravilhosamente simples não carrega qualquer valor de juízo sobre a infraestrutura política que produziu esses abrigos, a qualidade dessa arquitetura ou o valor cultural relativo dessas localidades longínquas nas quais os pavilhões foram construídos. Esse livro é a primeiro e inédito documento; uma crônica de 30.000 quilômetros percorridos por treze repúblicas pós-soviéticas em uma década de procura pela engenhosidade arquitetônica. O fotógrafo não trata seu assunto como relíquias de alguma era passada, mítica; em vez disso, ele mostra essas estruturas com um viajante ocasional à espera, como se a arquitetura continuasse por merecer sua função fundamental naquele dia.

Para conferir méritos à abordagem de Herwig, basta olhar publicações – sucessos de vendas recentes – como Cosmic Communist Constructions Photographed, de Frederic Chaubin ou Spomeniks, de Jan Kaempener, ambas nas quais fetichizam a monumental arquitetura construída sob os olhos atentos do estado socialista como relíquias nostálgicas. O fotógrafo não apresenta a matéria desse assunto arquitetônico como estranha, nem excêntrica ou como “fora desse mundo” – orientalizando a linguagem adotada por muitos escritores e fotógrafos ocidentais nos quais exibem um impulso autoelogioso que, suspeito, remonta a dualidade retórica especialmente popular entre aqueles que “venceram” a guerra fria.

Na realidade, a decisão de Herwig em focar em uma única tipologia contradiz alguns dos estereótipos negativos predominantes sobre a arquitetura soviética do pós-guerra: que foram todos construídos em concreto pré-fabricado retilíneo, cinza e completamente sem imaginação de formas. Ostensivamente, os tamanhos diminutos dos pontos de ônibus os deixaram de fora do alcance dos sistemáticos desenhos introduzidos por institutos que trabalharam para padronizar produções de grande escala de tipologias monumentais como a habitacional. Nas repúblicas soviéticas, blocos residenciais eram construídos sem muita variação, mas os desenhos dos pontos de ônibus variavam incrivelmente em cada país. Mesmo considerando estruturas em um mesmo local, as técnicas construtivas e as estratégias decorativas variavam porque os arquitetos permitiam substancial liberdade na execução do desenho do ponto.

Embora o florescimento de certas atuações individuais sejam claramente evidentes nas páginas do livro de Herwig, é notório que muitos dos designers responsáveis pelo trabalho representado pelo fotógrafo não são conhecidos pelo nome. Escrevendo no New York Times, Alice Rawsthorn chamou a tipologia de “valioso meio de expressão dos arquitetos e designers soviéticos” – um fato que a maioria das resenhas do livro concordou, preferindo elogiar a arquitetura, mas não os próprios arquitetos. Quem são os designers e arquitetos, agora recebendo os elogios retroativos dos críticos pelo mundo? O livro de Herwig oferece uma retumbante chamada para historiadores de arquitetura: descubram.




Anna Kats,

crítica de arte e arquitetura, baseada em Nova York; colaboradora de veículos como Artinfo.


Christopher Herwig,

fotógrafo canadense. Viajou quase 20 mil km para registrar os pontos de ônibus soviéticos. Vive e trabalha na Jordânia.